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O Natal se aproxima e a maioria de nós nessa época já começa a pensar nas comidas que vamos servir às pessoas queridas durante as festas de fim de ano. Ao mesmo tempo, alguns nos recriminam dizendo que o verdadeiro espírito do Natal não é a comida. Permitam-me discordar e explicar meu ponto-de-vista.

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Todo ser humano necessita fundamentalmente de 3 coisas para viver: comida, proteção e amor. Para muitos, essas 3 coisas convivem separadamente. Eu não acredito nisso. Todos temos que comer, faz parte da ordem natural e isso vale para qualquer pessoa. Todos comemos diariamente, dia após dia, pelo menos os que são abençoados e têm comida à disposição. Há quem veja a comida simplesmente como uma necessidade fisiológica, material: há que comer para viver, como um carro que temos que abastecer para continuar funcionando. Mas seria a comida algo tão prosaico? Existiria a comida de forma independente da proteção e do amor?

Comida, além de alimentar o corpo, alimenta também a alma. Quem nunca se sentiu amado e protegido quando, ao chegar em casa num dia de chuva, todo molhado, com sintomas de gripe depois de um daqueles verdadeiros ‘dia de cão”, é recebido com um prato de sopa fumegante? Ou quando se recebe uma notícia ruim e a pessoa mais próxima te abraça e te oferece uma xícara de um chazinho perfumado e mesmo sem te dizer ‘isso vai passar’, é como se estivesse dizendo? Quem nunca comeu uma fatia de bolo de aniversário ou casamento junto com o aniversariante ou com os noivos demonstrando a eles que ‘estamos todos juntos, celebrando a vida e o amor’? Se você já ofereceu um sanduíche ou prato de comida para um morador de rua, sem dizer uma palavra, sem nem mesmo tocar essa pessoa, talvez já tenha tido o presente divino de ver nos olhos daquela pessoa que ela se sentiu amada e protegida.

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Através da comida podemos expressar muito mais que uma simples convenção social, a de ter que fazer um jantar no Natal. Se na comida que colocamos na mesa colocamos também nosso coração, é impossível que as pessoas que a consumam não se sintam irmanadas conosco. Comida tem essa magia, esse poder transcendental de criar vínculos entre as pessoas, de criar memórias, de transferir sentimentos. Em uma palavra, comida é comunhão.

A palavra ‘companheiro’ vem do latim ‘cum panis’, o que que come o pão junto. Na tradição judaica essa imagem é tão forte que o pão nunca é cortado nos rituais, mas sim partido com as mãos. Algo que os italianos descrevem muito bem com duas palavras, dividire e condividire. Dividire é quando cada um toma sua parte de forma individual. Condividire é quando a experiência é compartida. Se “divide” um pão quando cada um toma um pedaço e se vai. Se “condivide” quando, por exemplo, dois amigos saem tomar um sorvete juntos.

Comida pode sim ser, e na maioria das vezes é, expressão de amor, de carinho e proteção. Por isso eu discordo da afirmação que de a comida não é uma parte importante do Natal. E talvez a “paz na Terra aos homens de boa vontade” pudesse se transformar em realidade se puséssemos mais nossos corações no “pão nosso de cada dia” como se cada dia fosse Natal.

Escrito por Sandra Mian, nossa nova colaboradora, engenheira de alimentos pela FEA, Unicamp, com vastos conhecimentos em história, sociologia e antropologia da alimentação e dos espaços do habitar (universo da comida e da roupa). Com mais de 30 anos de experiência, desenvolve trabalhos no Brasil, EUA, Canadá e no México. Atualmente pela a empresa de consultoria B-Ahead Consulting Inc., atua em processos de inovação com metodologias como etnografia em profundidade e Design Thinking. Escreve para a revista CarneTec (Brasil e América Latina), uma publicação especializada na indústria de carnes. Em 2017 e 2018 apresentou trabalhos de investigação no prestigiado Oxford Symposium on Food and Cookery e os artigos referentes a essas investigações publicados pela Prospect Books, UK. Com presença ativa nas mídias sociais, criou um grupo de discussão de temas relacionados à comida e alimentação, hoje com cerca de 1,600 membros. Esse grupo permite à consultora entender os mecanismos do storytelling nas comunicações sobre alimentação e saúde e as relações antropológicas e sociológicas da comida com o ser humano. É membro do Culinary Historians Institute of New York e de grupos como o OSFC, Writing the Kitchen, FOST e outros grupos de discussão sobre temas culturais acerca da alimentação.